Saturday, November 17, 2007

Procuro Memórias

Busco, procuro e vasculho
por cantos e recantos recônditos,
onde em cada sombra, cada lembrança se encontra,
todos os “eus” e todos os “tus”.

Busco, procuro e vasculho,
sem, na verdade, achar ou descobrir o que quero encontrar,
uma luz no meio das tuas sombras,
um “tu” no meio de tanto “eu”

Lembro e relembro cada sombra, cada sorriso, cada lágrima,
e lembro-te e relembro-te de cada “eu” e cada “tu”,

declamando o “nós”.

Thursday, November 15, 2007

Porque falo?


Falo, comunico, divago...
Será que digo algo que valha a pena?
Ninguém está por perto para ouvir...
Será que isso importa?

Lanço palavras para o ar
à espera que este me escute.
O melhor dos ouvintes não te fala,
não te demonstra que te compreendeu ou sequer que ouviu
mas está sempre lá, está sempre onde nós o queremos,
quando nós precisamos, para nos ouvir.

Desisto de tentar organizar o que digo, escrevo ou penso.
Para quê?
Mesmo que tudo rimasse,
mesmo que o texto tivesse um ritmo cadente de chuva caindo numa pétala,
mesmo que até fizesse sentido... teria mais significado?

O melhor dos ouvintes é aquele em que não precisas de pensar nele,
nem de lhe rogar que te escute, ou que simplesmente te ajude a falar.
O melhor dos ouvintes é aquela parcela tão dentro de nós que nos é estranha.
O melhor dos ouvintes não existe.
Então porque é que lhe falo?

Falo-lhe por não ter cara que me mostre se gostou ou não do que ouviu.
Falo-lhe por causa de vontades infantis de falar para o ar, para as paredes, para mim mesmo.
Falo-lhe porque tudo o que me rodeia pode escutar,
só tenho é que falar não por palavras, mas por pensamentos.
Não tenho que lhe ver a cara, basta-me imaginá-la.
Não tenho que ouvir a sua resposta, basta ouvir-me a mim mesmo.

Mas então porque é que lhe falo?

Sunday, November 04, 2007

Silêncio...


Silêncio… O silêncio choca-me, estorva-me, sufoca-me. Que é feito da panóplia de vozes gritando, chorando, chamando por pais, filhos, irmãos e inimigos? Onde está o clamor de armas, de rocha a fender-se? Não quero pensar no que ouvi, aterroriza-me o que virei a ouvir, aflijo-me por nada agora ouvir.
É olhando em volta que concluo: será possível lutarmos tanto por algo tão efémero? Meses, anos, séculos de labor e suor em campos, em vidas feitas de trabalho, família e satisfação… tudo se esfuma numa miríade de mal entendidos e de boatos.
No que agora vejo como um imundo monte de entulho, foi outrora o meu querido lar. Será possível só ter decorrido uma semana desde o início desta guerra? Num dia de trabalhos e de tédio escuto um anúncio da guerra… da “nossa guerra” embora ainda esteja para descobrir o que isso significa. Seguiu-se assim uma confusão de sons e de ruídos, mas não o da enxada na terra, o de vozes gritando produtos e preços, nem o de bêbados rindo desalmadamente sem motivo algum, ou de alguma criança rindo por todos os motivos deste mundo: era o som de camiões chegando com tropas, o choro de mães berrando pelos seus filhos condenados a matar ou a morrer, o soluço de jovens a quem a infância está preste a ser brutalmente tirada.
Num par de dias lojas foram devassadas, transformadas em quartéis e outros baluartes de guerra; igrejas profanadas deixaram de abrigar ou confortar crentes perdidos para tornarem-se em macabros arrumos das sobras da guerra, sejam eles mortos ou nem por isso; casas deixaram de parte a intimidade do lar para serem meros refúgios medíocres, becos onde inocentes se escondem pelo bem da sobrevivência, onde só o sentimento de claustrofobia e medo impera.
“Mas há razões para alegrarmo-nos!”, dizem os soldados. “A guerra acabou! Ganhámos! Podemos regressar às nossas vidas, reconstruir o que foi destruído, reencontrar velhos amigos perdidos, reunir famílias desfeitas! Ganhámos!”
Murmúrios aumentam de volume, espalham-se pela plateia mortificada, ferida, estupefacta. Podemos reconstruir as nossas casas, mas sobre escombros de sonhos passados desfeitos. Podemos reencontrar velhos amigos perdidos, mas estes encaram-nos com olhos lânguidos, mortos, leitosos, mesmo os sobreviventes. Mas ainda podemos reunir as nossas famílias!!! Ainda podemos ver os nossos entes queridos! Ainda podemos sussurrar-lhes um breve adeus frente a frente quando há uma semana atrás eles nos teriam, respondido com um “Até breve.”. Ainda podemos oferecer uma última carícia nas suas caras pálidas e frias aos nossos filhos e esperar que eles ainda façam aquela careta e digam que já não são nenhumas crianças. Mas alegremo-nos pois podemos reunir as nossas famílias!
Ouço novas coisas. O clamor de armas foi substituído pelo bater incessante de pás e enxadas na terra, escavando e revolvendo terra devastada para abrigar familiares e amigos. Vozes que antes apregoavam preços hoje chamam por entes perdidos. O riso abandonou estas paragens, acompanhou a partida dos bêbados e das crianças em busca de sítios mais seguros. No crepúsculo, o silêncio é senhor de tudo. Mas ele perdeu o toque de paz ou harmonia de antigamente. Tornou-se sufocante.
Tento esquecer o desespero que ouvi nas vozes dos moribundos, aterroriza-me a possibilidade de vir a ouvir quem mais morreu ou desapareceu, aflijo-me por não ouvir nenhuma das velhas vozes minhas conhecidas. O silêncio atormenta-me, esmaga-me, comprime-me. O silêncio é soberano à passagem da guerra. O silêncio realça que nada voltará a ser o mesmo, nem na vitória… nem na derrota. O silêncio é senhor de tudo.